Acordei, olho para o despertador, estranho, aquele comprimido de ontem à noite não fez efeito, dormi menos quinze minutos do que seria de esperar. A central deu pela minha presença, a casa começou a aquecer, perco uns minutos para olhar à volta, "que dia é hoje?", está tudo como sempre esteve. Levanto-me com uma sensação estranha, algo se passa de diferente, vou tomar banho e perco-me a pensar o que me pertuba. Divago, perco-me...acordo de rompante com um sinal, "bolas, já fui multado!", a central domótica avisa-me que estive um minuto a mais no banho, o pequeno almoço já deve estar em preparação. Arranjo-me, vejo as ultimas noticias e como. Dizem que uma pessoa ia sendo assaltada por uma faca a fingir, está em todos os jornais. Isto dentro do perímetro de segurança da cidade está a ficar perigoso. Vou para o carro, sou avisado que segundo os veículos em circulação vou chegar a horas ao trabalho. Demoro vinte minutos a chegar. Subo o elevador e cruzo-me com a Maria. A Maria é aquela administrativa esbelta, de cabelo escuro e olhos verdes que tem tudo para sorrir mas carrega um olhar triste. Digo-lhe "Bom dia". Nos dias que correm não podemos ser demasiado efusivos, não quero chatices por aqui, o Carlos já teve problemas, foi visto a dar uma festa no cabela da Luisa e não se livrou de um inquérito. Chego ao posto de trabalho, tenho trinta mensagens e apenas dez minutos para seleccionar e responder ao importante. A Ana voltou a escrever, quer encontrar-se comigo. Conheci a Ana através de um conhecido de um amigo, ou seja, ela adicionou-me ao perfil social do Outlook, e eu aceitei. Normalmente não aceito ninguém assim, sem conhecer melhor, ou falar pelo menos umas dez vezes no chat. Acontece que ela é bem gira e faz-me rir, um amigo disse-me que já a tinha visto, e que as fotografias, muito discretas, eram mesmo dela. Aceitei encontrar-me com ela para jantar, vou levá-la a um restaurante impecável que vi na net, está na Av. da Liberdade. Além de ser na zona de segurança, tem a vantagem de se poder entrar directamente para a garagem. Se tudo correr bem pode ser que consiga sair um pouco para passear. Desde que colocaram mais câmaras de vigilância tornou-se mais seguro circular na rua. Bem, cada coisa a seu tempo, tenho que acabar o relatório do Plano de Urbanização do Bugio, depois de conseguir autorização sobre o impacto ambiental e a licença para emissão de gases com efeitos de estufa não posso perder tempo. Reparei que não limparam o pó por baixo da minha mesa, não vou apresentar queixa, lembra-me outros tempos, espero que as câmaras não tenham detectado a infracção. Tal era a concentração e impaciência que esqueci-me de almoçar, vão-me penalisar em concentração. Dizem que se não estivermos em perfeito equilibrio perdemos produtividade. Asneiras. São 18 horas, vou buscar a Ana, ela mora no extremo da cidade, em Mafra. Esta zona tem uma ou duas praias, e são lindas, é só pena ser inverno e a esta hora já não vou conseguir vê-las. Chego ao condomínio dela, é impressionante, acolhedor, ocupa apenas 5 hectares, o meu tem 27, mas tem acessos e códigos independentes. Apanho-a no acesso -1, ela teve a atenção de emitir um código de visitante, confesso que se não fosse assim não arriscaria, pelo menos a esta hora. Ela não demora, está deslumbrante. A Ana é realmente como nas fotografias, tem aproximadamente um metro e setenta, olhos azuis e cabelos claros, a pele é clara, uniforme, suave, um nível 2 no solário, espectacular. "Olá" diz-me ela. Confesso que fiquei surpreendido, expressa-se como se me conhecesse. É verdade que já devemos ter falado umas quinze horas, mas por escrito. Respondo-lhe com um "Finalmente", acho que caiu bem. Aproveito para retirar o cruise control, assim evito uma aproximação muito directa e demonstro que domino bem a estrada. Apanhamos conversas anteriores e falamos sobre nós, eu assumo a minha surpresa. Chegados ao restaurante dizem-nos que houve um erro no sistema e que não tinha mesa marcada, fico em pânico. "E agora!". Sei bem que há outros restaurantes aqui perto, mas tenho que andar na rua e não é certo consiga um restaurante livre, estavam imensos carros a entrar para os parques. Arrisco. Levei a Ana pelo braço, e numa saida triunfosa encarámos a Av. da Liberdade. Já eram 20.30, felizmente no meu perímetro de visão viam-se dois ou três casais a passear, também não era assim tão tarde. Fomos passeando, sabia que mais abaixo havia uns quantos locais de eleição. Fomos um pouco ao zigue-zague para evitar algumas pessoas na rua e aproximamo-nos da zona do Rossio. Não querendo desiludir a Ana fomos Lucciano, um restaurante italiano agradável, mas perfeitamente normal, havia uns quinze em Lisboa. O jantar começou com um carpaccio excelente e um bom vinho importado da Venezuela, lá ainda havia produção de vinhos, estava nacionalizada. Decidimo-nos ambos pelas pizzas, eles ainda usavam um forno de lenha artificial, sabia que havia cerca de dez licenças para isso em toda a cidade. A conversa foi-se desenrolando, mas algo estava diferente. A Ana estava mais deslumbrante que nas fotografias, não podia ser dela..."Já sei", eram os diálogos, algo não batia certo, ela respondia demasiado rápido a tudo, apressava-se e nem sempre fazia nexo. A Ana que eu conhecia era pausada, reflectida e fazia jogos com as palavras, com os nossos diálogos. Não transpareci a sensação de engano que sentia, ela estava realmente emocionada por estar comigo. Acabámos o jantar, chamei um taxi para nos levar ao parque que estava a 400 metros e levei-a a casa. Desliguei o GPS e aproveitei para olhar para a cidade à noite. O computador aconselhou-me a ligar o cruise control, mas eu não fiz caso. Tão raramente aproveitava para conduzir e olhar pelo pára-brisas em vez das fotografias aéreas do GPS. Eu sei que podia ter passado um pouco por minha casa, aliás como tinha feito tantas outras vezes, e ela era realmente atraente, mas estava ansioso por chegar a casa e falar com ela pelo chat, reactivar a chama que senti, a minha ilusão aquecia-me mais do que a realidade. Passados quarenta minutos estava a entrar no condomínio, passei as duas zonas de controlo, senti-me em casa. Apressei-me a ir ao computador ver se ela estava lá, nada, esperei até às duas da manhã. Fui multado, excesso de consumo eléctrico. Tomei o comprimido das 6 horas de repouso e deitei-me.
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2 comentários:
"Admirável Mundo Novo"- Aldous Huxley.
Abraço amigo,
GG
Muito bom. Gostei da abordagem.E vê-se aí planeamento.
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